O novo Presidente angolano, João Lourenço, precisou de dois meses para afastar a estrutura de governação que recebeu de José Eduardo dos Santos, tendo feito 250 nomeações, exonerando mais de 30 oficiais generais e 10 administrações de empresas públicas. Perante uma generalizada simpatia popular, há quem recorde um velho provérbio que diz: “Cabras apressadas parem os filhos defeituosos”…
Só até 25 de Novembro, dois meses após a posse como terceiro Presidente da República de Angola, João Lourenço já nomeou, para todo o tipo de funções de Governo, chefias militares e de órgãos policiais, de administração pública e de empresas estatais, mais de 250 pessoas, segundo dados compilados pela Lusa, com base em dezenas de decretos presidenciais.
“Ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre demais que não possa ser protegido”, foi um dos mais sonantes avisos que o novo chefe de Estado, um general de 62 anos, deixou ao tomar posse, a 26 de Setembro.
Na prática, desde então, João Lourenço respondeu no plano externo, demonstrando a intenção de romper com a criticada gestão do passado, mas também no plano interno, deixando pouco espaço de manobra à oposição. A mesma, como a direcção da UNITA, que ainda antes das eleições gerais de 23 de Agosto afirmava que a saída de cena de José Eduardo dos Santos, Presidente angolano durante 38 anos, não mudava nada em Angola.
“Não há mudança nenhuma no país, nem haverá mudança, enquanto o MPLA estiver a governar. Não é a reforma de uma só pessoa que reforma o regime. Nem é a transferência do chefe da viatura para o banco de trás que altera o rumo do veículo. Ele continua a dirigir o veículo a partir do banco de trás, apesar de ter alugado um novo motorista”, lia-se num comunicado do maior partido da oposição, liderado por Isaías Samakuva, em Fevereiro deste ano.
Apesar de deixar a presidência angolana, José Eduardo dos Santos mantém-se líder do MPLA, partido no poder desde 1975, com mandato até 2021, e ainda não se referiu publicamente às mudanças que João Lourenço tem vindo a implementar, nomeadamente ao afastamento dos filhos de lugares chave em poucas semanas.
É o caso da milionária empresária Isabel dos Santos, exonerada de Presidente do Conselho de Administração da petrolífera do regime, Sonangol, ou da empresa Semba Comunicação, que tem como sócios os irmãos Welwitshea ‘Tchizé’ e José Paulino dos Santos ‘Coreon Du’, filhos do ex-chefe de Estado angolano, que perdeu a gestão do canal 2 da televisão pública angolana.
Contudo, João Lourenço nunca esclareceu (e deveria tê-lo feito) os motivos do afastamento de Isabel dos Santos ou da nomeação de Carlos Saturnino para liderar a Sonangol, curiosamente um quadro da petrolífera que em Dezembro de 2016 tinha sido exonerado pela filha de José Eduardo dos Santos.
“A palavra nepotismo significa a promoção de uma pessoa incompetente para um determinado cargo pelo único facto de ser membro da sua família. Como a minha competência não está em questão, não será apropriado tentar estabelecer um vínculo entre as minhas relações familiares e os resultados do meu mandato”, critica esta semana Isabel dos Santos, a propósito de um editorial do estatal Jornal de Angola.
No topo da hierarquia, o general António José Maria, tido como do círculo mais próximo e fiel do ex-Presidente da República, viu João Lourenço exonerá-lo da liderança do Serviço de Inteligência (Informação) e de Segurança Militar, cargo que ocupava desde 2009, passando-o à reforma. O mesmo aconteceu com o comissário-geral Ambrósio de Lemos, comandante-geral da Polícia Nacional de Angola desde 2006 e tio da ex-primeira-dama, Ana Paula dos Santos, que agora deu lugar ao comissário-geral Alfredo Mingas “Panda”, por nomeação de João Lourenço.
Até ao momento, João Lourenço, que é também vice-presidente do MPLA e integrava o anterior governo como ministro da Defesa, apenas não tocou no Fundo Soberano de Angola (FSDEA). José Filomeno dos Santos foi nomeado em 2012 para o FSDEA – que gere activos do Estado no valor de 5.000 milhões de dólares – pelo pai e então chefe de Estado angolano, tendo visto o nome do fundo envolvido no recente escândalo ‘Paradise Papers’, sobre paraísos fiscais.
Ainda assim, numa outra mediática decisão, João Lourenço mandou rescindir, a 9 de Novembro, o contrato de concessão da construção e exploração de laboratórios de análises, celebrado anteriormente com a empresa Bromangol, conotada localmente com José Filomeno dos Santos. Tratava-se da única empresa com competência em Angola para realizar exames de qualidade aos produtos importados, mas que há vários anos que é criticada publicamente pelos preços que pratica.
Além dos 32 ministros, 50 secretários de Estado, 18 governadores provinciais, 38 vice-governadores e secretários da Presidência que escolheu – e empossou – desde 26 de Setembro, João Lourenço já colocou 60 oficiais generais em posições estratégicas, dos Serviços Penitenciários, às chefias militares e da secreta, mas também no Serviço de Migração e Estrangeiros ou, por exemplo, na presidência do Tribunal Constitucional.
João Lourenço nomeou mais de 10 novas administrações estatais, cada com cinco administradores, renovando ainda por completo as quatro empresas públicas de comunicação social, Televisão Pública de Angola, Rádio Nacional de Angola, Edições Novembro (Jornal de Angola) e Agência Angola Press (Angop).
Somam-se as exonerações e novas administrações nas empresas estratégias, públicas, do sector dos diamantes, a Endiama e Sodiam, há vários anos lideradas por administradores próximos de José Eduardo dos Santos, o mesmo acontecendo no Banco Nacional de Angola (BNA), em que Valter Filipe foi exonerado pelo chefe de Estado, que colocou no lugar o regressado José de Lima Massano e uma nova equipa, o mesmo acontecendo em alguns bancos comerciais detidos pelo Estado.
João Lourenço admitiu entretanto a necessidade de “moralização” da sociedade, com um “combate sério” a práticas que “lesam o interesse público”, e foi buscar o director nacional adjunto do Serviço de Investigação Criminal, o comissário de polícia Sebastião Domingos Gunza, para liderar a nova equipa da Inspecção-Geral da Administração do Estado, exonerando a anterior, liderada por Joaquim Mande.
“Esperamos que a tão falada impunidade nos serviços públicos tenha os dias contados”, disse.
A nota de Imprensa que Isabel dos Santos publicou quando cessou funções da PCA da Sonangol, em Novembro, foi serenamente demolidora e estrategicamente cordata. No entanto, no âmago, ela demonstrou que o Governo de João Lourenço mentiu nos argumentos, explícitos e implícitos, para a exonerar.
O país precisa de saber quem está, de facto, a mentir. Ou, quiçá, se não estarão os dois (Isabel dos Santos e João Lourenço). Com uma louvável diplomacia, Isabel (com)prova que a sua exoneração foi sobretudo – ou unicamente – política. Cabe agora ao Presidente da República explicar aos angolanos, mas não só a eles, se é crime ter o apelido Santos.
E essa explicação continua por dar.
Folha 8 com Lusa